Por: Sarah Cristinne Firmino

A fotografia é mais que registro: é uma linguagem que preserva o instante, comunica histórias invisíveis e molda a forma como enxergamos o mundo. Ao congelar um gesto ou um olhar, ela se torna espelho da cultura, capaz de revelar identidades, resgatar lembranças e alimentar a memória coletiva. É nesse lugar entre arte e memória que nasce a exposição “Memória Fotográfica”, do fotógrafo, produtor audiovisual e estudante de Jornalismo da UEPB João Paulo Lima, inaugurada em Juripiranga no dia 24 de setembro. João resume o desafio de sua criação em uma frase breve: “Fotografar o passado.” Dar corpo ao que antes habitava apenas a lembrança foi o que guiou cada escolha do projeto.





A mostra nasceu de um gesto simples, mas profundo: ouvir. João transformou histórias de cinco paraibanos em imagens e, com isso, devolveu rostos, memórias e resistências à comunidade. Entre os retratados, está Dean, de São José dos Ramos, cuja coragem de se assumir LGBTQIA+ abriu caminho para outros em sua cidade. Ao lado dele, Dona Mô, filha de indígena Tupinambá, guarda e transmite cantigas populares como quem protege um território afetivo. Já Luzia, quilombola do Matão, carrega na pele a herança dos antepassados escravizados. D. Zezé, professora aposentada de Juripiranga, faz da lembrança um ato de resistência, narrando sua vida entre saudades e esperanças. E Seu Expedito, agricultor de Salgado de São Félix, encarna a luta camponesa contra o avanço da cana-de-açúcar, mantendo viva a relação com a terra.
Para João, cada personagem representa um elo entre o individual e o coletivo:
“Cada personagem tem uma representatividade muito grande em seus grupos de pertencimento. São vozes que simbolizam resistência, ancestralidade e identidade. Era essencial que estivessem aqui.”
Entre tantas histórias, uma se destacou de forma íntima: a de sua própria mãe, D. Zezé. “Para realizar as fotos dela, levei-a até a vila da Usina Olho D’Água, local onde nasceu e não ia há mais de 30 anos. Foi emocionante e significativo, como visitar o passado, literalmente.” Essa fusão entre biografia e criação, entre a intimidade familiar e a história coletiva, dá à exposição uma força particular: a fotografia deixa de ser apenas registro estético e se torna rito de passagem, devolvendo ao presente aquilo que parecia perdido no tempo.

A exposição também mostrou como a arte pode se tornar um exercício de educação e democratização da arte. Nos dias que seguiram a abertura, estudantes do 9º ano e do ensino médio de Juripiranga visitaram o espaço, estabelecendo um diálogo direto com as imagens. Muitos se emocionaram ao reconhecer nos retratos parentes próximos, traços de familiares, ou simplesmente seu próprio povo. Essa experiência revela algo essencial: além da força simbólica, projetos culturais movimentam as cidades, geram emprego e renda e, sobretudo, cumprem um papel educativo fundamental. As ações de contrapartida, como levar exposições, espetáculos e oficinas para a vivência de alunos são a verdadeira “cereja do bolo”. Elas expandem horizontes, despertam olhares e aproximam a arte da vida cotidiana de quem muitas vezes não tem esse acesso. No caso de “Memória Fotográfica”, essa contrapartida ganha ainda mais sentido: trata-se de um projeto que devolve à comunidade o reflexo de si mesma. Como resume João, “a fotografia cumpriu seu papel de espelho da nossa cultura”. Nas palavras do fotógrafo, “Memória Fotográfica” é “a realização do sonho de expor um trabalho autoral”. Mas, mais que um fim, é também ponto de partida:
“Planejamos que essa seja uma exposição itinerante. Queremos circular por outras cidades do Brasil, para que essas memórias dialoguem com públicos de diferentes regiões.”
Mais do que uma mostra, “Memória Fotográfica” é um gesto de resistência. Um chamado à escuta, à preservação e ao reconhecimento. Uma prova de que a fotografia é memória viva, capaz de devolver a uma comunidade a consciência de sua própria história.




