Por que “Habeas Pinho” é um primor poético do cinema paraibano?

Por Sarah Cristinne Firmino

Excelentíssimo leitor, embora eu não vá estruturar este texto em versos, preciso falar sobre um filme-poesia. Trata-se de uma das histórias mais conhecidas de Ronaldo Cunha Lima: o célebre poema-petição “Habeas Pinho”, escrito para defender em versos, a devolução do violão de um seresteiro que foi apreendido pela Justiça. O filme transforma esse caso real em uma experiência estética e afetiva, feita para ser sentida com calma.

“Libere o violão, Doutor Juiz, / Em nome da Justiça e do Direito, / É crime, porventura, o infeliz / Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?”

Com essas palavras, Ronaldo Cunha Lima transformou uma situação cotidiana em uma obra-prima da poesia forense. O curta-metragem “Habeas Pinho” vai além da simples adaptação; ele traduz a essência dessa obra para a linguagem cinematográfica, mantendo a profundidade e a emoção originais.

O cinema, essa arte coletiva que une talentos e nos faz sonhar, nunca é tarefa fácil. E quando falamos de Brasil, Nordeste, Paraíba, Campina Grande, o desafio e o sabor são ainda maiores. Há algo de especial quando uma obra nasce do desejo de eternizar uma memória afetiva, e o  nome dela é Gal! Gal Cunha Lima é filha do poeta Ronaldo, e se apegou por mais de dez anos ao sonho de falar e filmar sobre os poemas do pai, em especial Habeas Pinho. Até que finalmente apostou, realizou e acertou.

Imaginamos que não tenha sido simples, mas o resultado merece aplausos – ainda mais por ser uma produção conduzida por uma mulher, que equilibra com firmeza e sensibilidade um projeto que passeia entre tradição, memória e ousadia. Em 25 minutos de pura nostalgia, o curta confirma como o cinema pode ser intenso e belo mesmo na sua brevidade.

Dirigido por Aluízio Guimarães e Nathan Cirino, o curta não se contenta em apenas narrar o episódio. Reconstrói a Campina Grande dos anos 1960 com atenção minuciosa a cenários, figurinos e sons. A cidade surge com o brilho de uma novela de época, onde a direção de arte acerta cada detalhe, e a trilha sonora nos embala como se estivéssemos mesmo ouvindo as serenatas da varanda.

O elenco, liderado pelos atores paraibanos Lucas Veloso, Mayana Neiva e Juzé, equilibra humor, lirismo e emoção. Veloso, especialmente, não se limita a imitar Ronaldo; ele lhe dá vida própria. Esse processo de construção do personagem pode ser compreendido à luz da teoria do ator Konstantin Stanislavski, que defende a criação de personagens a partir da “verdade interior” e da motivação psicológica, resultando assim em uma interpretação autêntica e rica em nuances. Algo que se sente não só na atuação de Lucas, mas também no encanto e na voz de Mayana, aliás, multi talentosa, como temos acompanhado em sua nova fase musical pessoal, assim como Juzé.

O elenco de apoio, também afiado, com nomes como Edvan Lima, Jo Tibério, Chico Oliveira e Júlio César Rolim, mostra que para além da  presença dos protagonistas, o equilíbrio em cena é fundamental.

O relicário do filme está na precisão da sua forma: ritmo narrativo no ponto certo, a paleta de cores, os figurinos e adereços, o cenário, a trilha sonora que nos faz viajar no tempo… Vemos em cada detalhe o empenho de uma grande equipe para realizar esse bibelô. Por isso acredito na obra como um primor poético do cinema paraibano, porque não há espaço para enfeites ou preenchimento desnecessário de tempo de tela. O filme cumpre o que se propõe: ser o poema. E isso basta.

Habeas Pinho não é apenas uma homenagem, é um convite. Um chamado para que olhemos com mais atenção para a poesia ao nosso redor e para as histórias que nascem aqui, e merecem ocupar o espaço desse cinema que, assim como Campina, insiste em ser Grande. Ao fim dessa petição, fica o desejo de voltar a essas memórias, conhecer outros poemas e ver mais produções que tratem nossas narrativas com tanto cuidado, verdade e beleza.

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